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A Alma é Exterior

A alma, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia tomar cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação: arrastam-na como um cometa ao oiro esparralhado da cauda - imensa, dorida, frenética. Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes da matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível. Assim é que o homem faz parte da estrela e a estrela de Deus. 

Raul Brandão, in "Húmus"

Raul Brandão

Biografia

Raul Germano Brandão nasceu no Porto, mais concretamente na Foz do Douro, a 12 de Março de 1867. Militar, jornalista e escritor português, famoso pelo realismo das suas descrições e pelo lirismo da linguagem. Era filho de José Germano Brandão, negociante, e de Laurinda Laurentina de Almeida Brandão. Sendo natural da Foz do Douro, localidade onde passou a sua adolescência e mocidade, e descendente de pescadores, o mar foi um tema recorrente da sua obra.

 Em 1891, terminado o curso secundário e depois de uma breve passagem, como ouvinte, pelo Curso Superior de Letras, matricula-se na Escola do Exército. Com este ingresso, ao que parece de má vontade, inicia uma carreira militar caracterizada por longas permanências no Ministério da Guerra envolvido na máquina burocrática militar. Nas suas próprias palavras: no tempo em que fui tropa vivi sempre enrascado. Paralelamente, mantém uma carreira de jornalista e vai publicando extensa obra literária. Encontra-se colaboração da sua autoria no semanário O Micróbio (1894-1895) e nas revistas Brasil-Portugal (1899-1914), Revista nova (1901-1902), e Serões  (1901-1911).

Depois de se casar com Maria Angelina de Araújo Abreu, este inicia a contrução de uma casa nos arredores da localidade Nespereira e aí se fixou em definitivo, embora com prolongadas estadias em Lisboa. Reformado no posto de capitão, em 1912, inicia a fase mais fecunda da sua produção literária.

Raul Brandão visitou os Açores no Verão de 1924, e dessa viagem resultou a publicação da obras As ilhas desconhecidas - Notas e paisagens (Lisboa, 1926) - uma das obras que mais influíram na formação da imagem interna e externa dos Açores. Basta dizer que é em As ilhas desconhecidas que se inspira o conhecido código de cores das ilhas açorianas: Terceira, ilha lilás; Pico, ilha negra; S. Miguel, ilha verde...

Faleceu a 5 de Dezembro de 1930, aos 63 anos de idade, deixando uma extensa obra literária e jornalística. 

Em 1950, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o seu nome a uma rua na zona de Alvalade. Também foi atribuído o seu nome a uma biblioteca, em Guimarães.



Ficha de leitura

O Doido e a Morte

Sinopse ( Exposição; Conflito; Desenlace) - Estrutura interna

O Governador Civil, Baltazar Moscoso, dramaturgo frustado, tenta escrever mais uma das suas peças medíocres. O contínuo Nunes avisa- o que o Senhor Milhões o vem visitar com uma carta de recomendação do ministro. Ao ser recebido, o Senhor Milhões liga a campainha elétrica da secretária a uma caixa que transporta consigo, comunicando que acaba de ativar uma bomba, a qual rebentará daí a vinte minutos. (Exposição linha 1 - 36)

Perante o desespero do Governador Civil que se vê abandonado por todos, inclusive a sua mulher, D. Ana, o Senhor Milhões faz a crítica demolidora das convenções sociais e a defesa de um sentido último para a Vida; o próprio  Governador Civil admite ter sido a sua uma mentira. ( Conflito linha 37- 404)

E, na iminência da explosão, chegam dois enfermeiros, que vêm buscar o Senhor Milhões, o doido. Afinal, a bomba era apenas algodão em rama e não o temido peróxido de azoto, o que leva o Governador Civil a soltar um palavrão entre a raiva e o alívio. (Desenlace linha 405 - 413)


Enquadramento histórico - cultural

Em 1923, a "Renascença Portuguesa" edita um volume de Teatro de Raul Brandão onde, entre outros textos, constava a farsa " O Doido e a Morte". O título, inspirado num poema de Teixeira de Pascoaes, estava inicialmente para ser " O Senhor Milhões".

Num contexto marcado pela degradação da vida social e política da República, "O Doido e a Morte" contrapõe à futilidade rídicula do Governador Civil a crítica da mediocridade e da decadência, através do discurso lúcido e pleno de consciência trágica da Vida produzido e alucinado Senhor Milhões.


Elenco

 O elenco desta peça é composto por quatro personagens: O Senhor Milhões, o Governador Civil, Baltazar Moscoso, a mulher deste, Ana de Baltazar Moscoso, Nunes, uma espécie de polícia- secretário- criado que introduz as personagens. Dois figurantes, os enfermeiros que entram na última cena.

Através da leitura desta peça, podemos observar que  ao longo da mesma o leitor pode tirar as suas próprias conclusões no que respeita aos valores das personagens devido à presença de inúmeras caracterizações indiretas das mesmas: a partir das suas atitudes, comportamentos e até mesmo falas.

Relativamente ao Senhor Milhões ,personagem principal, podemos dizer que este era um homem consciente da realidade e da consciência humana.  Este sempre apresentou a mesma atitude desde o ínicio até ao fim da peça, ou seja, é uma personagem plana.

O Governador Civil ,personagem principal, revela ser uma homem inconsciente e preocupado com o seu estatudo social e o talento. No entanto, depois de toda a pressão causada devido à ideia de que iria morrer este acaba por se "libertar" , no final, de toda essa consciência alienada em relação ao modo de viver.  

A mulher do Governador Civil, personagem secundária, demonstra claramente a emancipação da mulher. Esta abandona o seu marido sem hesitar, optando por ser livre e ir embora sem o mínimo de compaixão pelo mesmo.




Cenário/ Espaço Representado

O dispositivo cénico a utilizar centra- se essencialmente na definição do gabinete do Governador Civil ( porta, secretária, cadeiras, um telefone).


Adereços

Secretária, cadeiras, caixa que contém a bomba- algodão, uma carta, campainha elétrica de mesa, fio elétrico, relógio e telefone.



Tipos de cómico

Vão surgindo várias passagens nas quais é notável a presença de cómico de situação.

Relativamente ao Senhor Milhões ( o ridículo da sua lucidez):

linhas 68-72;

"Quando eu tocar nesta campainha arraso tudo. O peróxido de azote é a maior invenção deste século. Basta carregar aqui com o dedo ... Mas nós ainda não nos explicámos. Temos tempo." 

linhas 126- 127;

" E à medida que os segundos olhos se me foram abrindo, mais funda se me radicou a vontade de destruir tudo isto. O peróxido de azote ..."

linhas 234- 235;

" Vamos! Vamos! Isto a bem dizer não é a morte, é pulverização. Não sente nada, verá."

linhas 274- 275;

" Não diga mal dos doidos. Todos os homens que fizeram alguma coisa no mundo eram doidos. Devemos -lhes a vida artificial. na realidade devemos- lhes tudo."


*O ridículo da bomba ser de algodão:*

(...)

Governador Civil- ( Esgazeado, apontando a caixa) O peróxido! o peróxido!

Um enfermeiro - ( Destapando a caixa e tirando para fora algodão) É algodão em rama ...


Agarram o Sr. MIlhões que os afasta, saindo depois de pôr e tirar o chapéu lustroso e de cumprimentar cerimoniosamente.

Sr. Milhões- Tragam a caixa.

Governador Civil- ( Com os cabelos em pé) Ai o grande filho da puta!



Extrutura externa

Atos/ Cenas:

Esta peça encontra- se dividida em três cenas marcadas pela entrada do Nunes , do Senhor Milhões e da Aninha.  Como a peça tem lugar num único espaço cénico, concluimos que a mesma só possui um ato.


Indicação e opinião sobre o tema principal da obra

Qual a critica feita?

Qual a personagem que levanta a problemática da condição humana?


Dimensão critica: critica social; critica literaria;

Dimensao simbolica: senhor milhões; governador civil


existencialismo:  o ser humano está submerso nas condições da sua existência.

confronta-se com o problema da morte, do sentido da sua existencia e do destino da sua alma.


condição humana: prende se com o existencislismo, a existencia humana, com o mundo a servir de lugar de exílio, de refúgio ao indivíduo.

é na morte que o individuo se confronta com a sua propria condicao humana.

o homem apenas tem a vida orientada para a morte.

simbolos da consciencia alienada de viver :(vida inútil sem consciência cívica nem humana

mentira das máscaras sociais no cumprimento do dever, o amor no dia a dia

apego à vida)

simbolos de um humano exageradamente consciente: consciencia sobre a condição humana; verdade lucida; desejo da morte



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