PIL
O ciúme. Que irritante. Ele é uma expressão da avidez da propriedade. Ou da petulância do domínio. Ou do gosto da escravização.
Todo o animal tem uma alma à medida de si. Só o homem a tem infinitamente maior. E o seu drama, desde sempre, é o de querer preenchê-la.
Vergílio Ferreira
Biografia
Ficha de leitura
Obra completa: Contos
Apreciação do processo de leitura
Uma Esplanada sobre o Mar
O conto começa com a descrição de uma rapariga loura, de olhos claros e de pele bronzeada que se encontra numa esplanada sobre o mar a contemplar as ondas enquanto espera por um rapaz, de cabelos loiros como ela, que a convida para lhe fazer uma revelação.
- Não há nada mais igual do que o mar ou o lume ou uma flor. Ou um pássaro. E a gente não se cansa de os ver ou ouvir. Só é preciso que se esteja disposto para achar diferença nessa igualdade. Posso olhar o mar e não reparar nele, porque já o vi. Mas posso estar horas a olhar e não me cansar da sua monotonia.
-Mesmo as coisas mais banais são diferentes se alguma coisa importante se passou em nós.
Tempo
Não há qualquer referência temporal.
Espaço
Julgo que nunca consegui visualizar tão claramente um cenário como este. O narrador descreve o espaço da ação como sendo um dia de verão, um céu azul onde numa esplanada sobre o mar cristalino se encontra uma rapariga loira, de vestido branco e muito morena. Um ambiente que nos transmite uma sensação de paz e tranquilidade.
Sendo uma eterna apaixonada pelo mar como sou, devo admitir que adorei este conto não só pela excelente moral, mas também devido a estas descrições maravilhosas de Vergílio Ferreira especialmente neste conto que descreve o mar e toda a harmonia que ele nos traz.
A rapariga estava sentada a uma mesa numa esplanada sobre o mar. Vestia de branco e era loura, mas muito queimada do sol. Ao lado da mesa estava montado um guarda- sol giratório de pano azul que o criado veio regular, para acertar bem a sombra. O criado não perguntou nada e inclinou- se apenas e a rapariga pediu um refresco. Era a meio da tarde e o sol batia em cheio no mar, que se espelhava aqui e além em placas rebrilhantes. O céu estava muito azul e o ar era muito límpido, mas no limite do mar havia uma leve neblina e os barcos que aì passavam tinham os traços imprecisos, como se fossem feitos também de névoa. Na praia que ficava em baixo não havia quase ninguém e o mar batia em pequenas ondas na areia. A espuma era mais branca, iluminada do sol, e o ruído do mar era quase contínuo e espalhado por toda a extensão das àguas.
Personagens
Neste conto existem duas personagens: a rapariga descrita inicialmete, e o rapaz que se encontra com a mesma, na esplanada sobre o mar.
Relativamente à rapariga podemos descrevê- la como uma personagem persistente em relação ao rapaz. Esta interpela- o repetidamente com a finalidade de saber o que o levou a marcar aquele encontro. Quando finalmente esta tem conhecimento da razão que o levou até aquela esplanada naquele dia tão harmonioso, esta personagem revela compaixão e compreensão em relação ao rapaz o que demonstra que é uma personagem redonda, pois esta muda de atitude ao longo do conto, à medida que se vai confrontando com aquela realidade cruel: a morte do rapaz.
Focando a atenção agora para a outra personagem, o rapaz, podemos concluir, a partir da leitura do conto, que a partir do momento que tomou conhecimento da sua morte este muda drasticamente de perspetiva em relação a tudo o que o rodeia, até as coisas mais banais da vida. Este não se revela revoltado com esta realidade, pois invés de adotar uma postura negativa ou até mesmo depressiva, este escolhe apreciar todos os momentos que ainda lhe restam e valorizá- los o máximo possível.
- Gosto de te ver - disse depois. - Gosto de te ver como nunca. Fica-te bem o vestido branco.
- Já mo viste tanta vez.
- Nunca to vi como hoje. Deve ser do sol e do mar.
- Que é que querias?
- Deve ser dos olhos limpos com que te vejo hoje.
Narrador
O narrador narra na 3ª pessoa, pois este só aparece na narrativa para descrever ações ou personagens.
Indicação e opinião acerca do tema principal do conto ( moral do conto)
- Tudo pode estar certo talvez a qualquer hora. Menos essa banalidade da morte. De tudo se pode falar, menos dela. Nem falar, nem filosofar, nem fazer seja o que for que a tenha a ela em conta. Há uma aliança contra ela como contra uma infâmia. Ou como se o não falar a excluísse. E é a única verdade perfeita.
(...)
- A estupidez é nossa, porque a vida não é verdade. Mas é a única coisa em que se acredita- disse o rapaz.
- O médico foi claro. Havia um relógio na secretária e olhei as horas. Eram cinco precisas. Estava calmo e reparei. Tenho dois ou três meses no máximo. O tempo contado dia a dia. E é extraordinário como tudo agora me parece diferente. Mais belo talvez. Creio que vou viver agora mais intensamente. Dia a dia. E três meses no máximo.
(...)
- Sim - repetiu a rapariga. - Mas era bom que explicasses desde o princípio. Devagarinho. Para eu não acreditat também. Está um dia cheio de sol.
- Mas a explicação é simples- disse ele, balouçando o líquido no fundo do copo. - Eu vou explicar tudo. Eu vou.
Estava uma tarde cheia de sol. As águas brilhavam até ao limite do horizonte, um barco à vela ia passando pela estrada de lume. O ar estava quente. E a brisa do mar quase não chegava ali.